Terapeuta ocupacional afirma que não basta apenas contratar pessoa deficiente; ela defende mudança de postura na empresa
Muito se fala em promover a inclusão de pessoas portadoras de deficiência nos mais diversos campos da sociedade, principalmente, no mercado de trabalho. Com o decreto nº. 3.298/99 e a lei nº. 10.098/00 que tornou obrigatória a destinação de cotas para deficientes, as empresas passaram a se preocupar com o tema.
Mas, no entanto, pouco se sabe sobre o assunto, como, por exemplo, identificar a diferença entre contratar deficientes e promover inclusão, que fazem parte de iniciativas distintas.
O que se sabe é que as contratações têm sido benéficas tanto para contratante quanto para o contratado. Observa-se que além da criação de uma imagem positiva da empresa diante da sociedade, alguns empresários indicaram um aumento de produtividade conquistada através da motivação. Funcionários que trabalham na presença de deficientes costumam produzir mais motivados ao se depararem com um colega que supera limitações.
Elucidar dúvidas como as expectativas das empresas ao contratar um deficiente, dos colegas de trabalho sobre como lidar com a situação e do próprio indivíduo quando é contratado, são algumas das incógnitas que surgem quando se pensa em contratar alguém com limitações físicas, mentais ou sensoriais.
Em entrevista ao valeparaibano, a terapeuta ocupacional Michele Jimenez Benjamim consultora em inclusão responde:
valeparaibano - Qual é a maneira correta de referir-se a uma pessoa com deficiência?
Michele Jimenez Benjamim - Entendemos que pessoa com necessidades especiais vem do termo "pessoas com necessidades educacionais especiais", é um termo da área da educação, e as pessoas tiraram o "educacional" e passaram a dizer portadores de necessidades especiais, é incorreto. Até por que todos nós temos necessidades especiais, eu, por exemplo, posso ter a necessidade especial de usar insulina, você pode ter a necessidade especial de determinado medicamento, logo, não caracteriza a pessoa com deficiência. Pessoa portadora de deficiência é vigente no país devido a legislação que faz uso deste termo, no entanto, novamente não condiz com a realidade. Ninguém porta uma deficiência como se porta uma carteira, um batom.
VP - Qual a diferença entre contratar deficientes e promover inclusão?
Michele Jimenez Benjamim - Quando a empresa pensa em inclusão ela se preocupa com a valorização da diversidade, promove a conscientização dos valores humanos, isso passa a fazer parte da política da empresa, todos passam a entender efetivamente o que é inclusão. A inclusão é oferecer o acesso pleno e imediato da pessoa com deficiência a todos os bens e serviços da empresa e comunidade, independente do tipo de deficiência. Quando a empresa contrata pessoas com deficiência não necessariamente está promovendo a inclusão, ela pode apenas estar oferecendo uma vaga de emprego e, infelizmente em alguns casos, sem garantir a inclusão e a integração da pessoa com deficiência naquele ambiente.
VP - As empresas estão preparadas para receber deficientes físicos?
Michele Jimenez Benjamim - As empresas que tiverem interesse em ter seus ambientes acessíveis podem realizar avaliações de acessibilidade e estudar adaptações de pequeno e grande porte de acordo com as normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). De modo geral as adaptações não são tão onerosas quanto se pensa.
VP - O que a empresa tem de levar em consideração quando resolve contratar deficientes?
Michele Jimenez Benjamim - A empresa deve avaliar primeiramente o número de pessoas com deficiência (cota) que deverá contratar, em seguida fazer um projeto para se tornar inclusa, com palestras de conscientização, treinamentos, estudo da possibilidade de adaptações, abrir espaços de reflexão sobre o assunto junto a seus colaboradores pensando sempre em valorizar a diversidade e não excluir por tipo de deficiência. Por exemplo: não é possível contratar uma pessoa com determinado tipo de deficiência porque minha empresa não tem adaptações para isso. A empresa deve amadurecer e crescer na promoção da diversidade.
Atualmente existem entidades que prestam todos os serviços necessários para a empresa se sentir mais segura na contratação de pessoas com deficiência. A Sorri atualmente presta os seguintes serviços às empresas: palestras de sensibilização, treinamentos de língua brasileira de sinais, treinamento de RH, seleção e acompanhamento de pessoas com deficiência, encaminhamento de currículos de pessoas com deficiência, acompanhamento da pessoa com deficiência pós-colocação, avaliação de acessibilidade de postos de trabalho, entre outros.
VP - Qual o tipo de deficiência é mais aceita no mercado de trabalho?
Michele Jimenez Benjamim - Quando o decreto saiu (1999) as primeiras empresas que se mobilizaram contrataram pessoas com deficiências que acreditavam que gerava menos comprometimento, como as deficiências físicas (tidas como leve) e auditivas, acreditando que nesses casos não teriam que realizar adaptações e que o custo do projeto seria menor do que contratar pessoas com outros tipos. Mas essas escolhas variam de cultura local e tipo de material que a empresa produz. Não existe um estudo sobre esses valores.
VP - O que o deficiente tem que fazer para conquistar uma colocação no mercado de trabalho?
Michele Jimenez Benjamim - Em primeiro lugar conhecer seus direitos (e deveres) para poder exigir. Depois, acreditar no seu potencial e ter motivação e iniciativa para se profissionalizar. Atualmente vivemos num mundo em que quem tem mais conhecimento e melhor formação acadêmica tem vantagem num processo seletivo. Procurar formações sociais que apóiem essa luta (entidades, organizações, associações), em grupo as conquistas podem se tornar mais fáceis. Buscar oportunidades, ir até as empresas, se cadastrar em banco de dados, ser participativo na exigência do cumprimento das legislações.
VP - Qual é a maior dificuldade que esta pessoa costuma encontrar?
Michele Jimenez Benjamim - O preconceito que ainda existe em nossa sociedade, a formação de culturas que afirmam que as pessoas com deficiência não são capazes, são dependentes. A ignorância (desconhecimento) de algumas pessoas, até familiares, que subestimam a capacidade das pessoas com deficiência. Há também a dificuldade de acesso de um modo geral, acesso à comunicação, acesso à edificações, entre outros.
VP - Quais as soluções possíveis?
Michele Jimenez Benjamim - Em primeiro lugar devemos investir na mudança de cultura, hoje vemos e falamos sobre pessoas com deficiência, antigamente não discutíamos sobre esse assunto, as pessoas e familiares tinham vergonha de dizer que possuíam um parente deficiente. Tivemos grandes avanços: atualmente falamos mais sobre deficiência, estudamos sobre o assunto, buscamos ser um país mais inclusivo. No entanto, temos ainda uma cultura enraizada que não valoriza esse público. O grande segredo é investir na valorização da diversidade. Como seria chato se todos nós tivéssemos a mesma feição, o mesmo corpo, as mesmas habilidades, já pensou?
VP - Que sites você indica para ajudar os deficientes na busca por informações e até por emprego?
Michele Jimenez Benjamim- Os interessados podem acessar os sites: www.cedipod.org.br, www.entreamigos.com.br, www.dumontbrasil.com.br e buscar mais informações. Se informar é muito importante para conhecer seus direitos.
por Daniela Borges